terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

dAS COISAS QUE EU NÃO SEI - por Adilma Alencar.


Sobre seu colo, com sua mão direita quieta sobre minha testa, eu chorei, com um pouco de vergonha por estar diante de um estranho, tenho por estranho quase todo o mundo, fato que não significa falta de amor ou mesmo intimidade, o outro é sempre estranho.
Eu quis dizer que às vezes sinto dor, sem ferida assim aparente. As coisas que machucam saltam, descaradas, por trás das cortinas, dos muros, uma tensão no discurso do mundo, os símbolos que nasceram rente à carne vão perdendo o fio e constroem já outro mundo, onde o horizonte é quadrado e os olhos são de outro que vê.
Eu não sei entender o mundo e não sei qual o espírito que liberta carne. Há espírito.
Eu me deito com alegria entre mil pétalas amarelas, nua como vim e vou daqui, sem glamour, sem sedução em carne.
Não é só de cio e sangue que meu corpo está no mundo.
Se deixa que meu desespero pouse em seu colo e me faz livre pra ser sono e água, se confia sua mão terna sobre a testa delirante em que meu pensar cisma. Toma meu corpo como pão e alivia meus pés cortados de vidro e arame.
Mas saibamos, unindo a carne, nos perdoar a rebeldia do espírito.
O corpo é domesticado pelo espaço, pelo jeito de dormir, modo de gozar, as vontades não. Elas saltam, sãs, maciças em ímpetos de voos e abismos.
A morte virá com um nome: homicídio, infarto, queda... Apuremos o sentido para a música, para o silêncio que a vida alcança.
Se o verso do poeta alivia minha ferida, se nas dores que meus nervos reclamam eu tiver flores para oferecer, haverá então lágrima, haverá milagre. Pois é do homem dar símbolo ao desespero contínuo da vida.
Eu choro, eu calo, eu também canto. Tenho febres que duram semanas, vejo anjos me afagando o rosto e sei da eternidade que o espaço desenha.
O pão pressupõe o suor anêmico do homem angustiado pelo itinerário. Santificaram objetos de tortura, não vê?!
Grandes monumentos saudando a guerra, o fogo. O código quer substituir a vida, chorar virou doença, sorrir virou ordem, no meio do caminho quem conseguiu ser gente, hesitou.
Meu riso às vezes quer cuspir um cansaço, outras, amor, porque eu me alimento de sol, lua e também, hoje, com um pouco de sua saliva.
Deixe também, se puder, que eu derrame essa ternura muda sobre seu corpo quente, quente em veias cheias, em vertigens de tantos desejos, de cansaço, de banho.
Todo ele, força e medo.
Não tema todas as coisas que eu não quero. Eu não quero precipitar a morte diária de uma mulher, não serei sua. Não faça de mim sua oferenda, já não há nó. Não vê que eu não caibo dentro do seu verso cotidiano, meu choro ofende sua certeza de ser visgo, de ser terra.
Minha tristeza é altiva e escorre no meio da tarde,assim como sob a lua, eu banhei você com a serenidade que roubei de uma deusa nua com quem dormi uma semana que me valeu a vida.
Eu chorei, porque eu sou sensível ao sereno que entra pela janela.
E estar em hipnose com a fertilidade da vida me alarga o peito, e agora eu jogo rosas para a miséria dolorida que teima em ofender os crepúsculos em que deus escorre laranja dignificando o homem,ofendendo o homem,a beleza pisa em mim.É um deleite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

o Febre CRÔNICA agradece sua leitura e comentário.