terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

dESFECHO - por Adilma Alencar


Perfumado, bem vestido, limpo e encaixado numa maneira óbvia de parecer, ele saiu às ruas.
Atravessou a cidade e se sentiu seguro dentro de uma virilidade construída. Imaginou indecências observando as bundas nas avenidas. Estacionou o carro na rua. Foi até o bar em que combinara algumas horas antes, encontrá-la.
Ela o esperava com simplicidade e leveza dentro de um vestido verde com estampas brancas e azuis.
Ele falava dos negócios, de política, como se soubesse todas as respostas. Uma segurança que ela desconfiava.
Disse dos planos para fevereiro, do investimento. Negando as afirmativas do discurso, sua mão suava, o pé esquerdo parecia batucar um candomblé insano e bebia mais do que de costume.
Ela estava calma, embora seus olhos escuros já brilhassem o desespero da saudade que viria.
Aquele homem mecânico, aquele homem viril de roupas passadas e sapatos pretos limpos não fora o mesmo que caíra de uma nuvem, com o braço quebrado que ela cuidou, não fora o mesmo para quem ela abrira as portas, os pântanos, as pernas.
Ele não era mais o seu quintal de brincar descalça, abrir zíper, fechar portas, apagar luzes.
O homem no desespero do fim, na música do Cartola, no quinto drinque, pensava nos filhos que não teriam e na dor no estômago que sentiria entre as pernas de outra mulher.
Todos esses pensamentos mergulhavam no suco de laranja dela, boiavam no uísque dele. Fora tudo que se engolia com drinques caros e temperatura arejada, a conversa seguia estúpida e clichê.
Ela saiu, foi ao toalete, retocou o batom vermelho, arrumou o cabelo. Voltou.
Olhou para ele com uma serenidade que já era um argumento. Ele entendeu.
Sem escândalos, tentativas ou lágrimas, aceitaram a linguagem que os gestos denunciavam.
Ela entrou num táxi e chorou até seu apartamento, depois seguiu esvaziando gavetas.
Ele acelerou, acelerou e chegou até o ponto de bala com loiras oxigenadas tão viris quanto ele, não fosse certa névoa de angústia que chega quando o sereno some.

Um comentário:

  1. Que boniteza isso, Dlima.

    "não fora o mesmo para quem ela abrira as portas, os pântanos, as pernas.
    Ele não era mais o seu quintal de brincar descalça, abrir zíper, fechar portas, apagar luzes."

    Queria ter sensibilidade assim.

    Parabéns pelo texto.

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