segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

ENCONTRAR o desencontro - Por Vinícius Linné


Procuro nas poesias, nos homens que se desfazem em borboletas de papel, nas mulheres que cantam para as paredes amarelas, nas janelas que se entopem de tanto mostrarem a mesma fábrica de fumaça suja... e não encontro.

Procuro nas grandes alamedas, nos segredos só contidos nas tatuagens (minhas e alheias), no chão encerado que reproduz o sol, nas procissões dos mortos, nos ventos que batem janelas, nas meninas que dormem nas cadeias... e não encontro.

Procuro na bagunça dos lençóis manchados de porra, nas fotografias de quem nunca existiu, nas contas de um rosário azul, no abraço de quem vem avisar que a morte há, no medo da criança, no asco da velha, na trepadeira que enredou menina, machado e flor... e não encontro.

Procuro nos sapatos vermelhos deixados no jardim, nos sapatos brancos esquecidos no hotel, no violino que um carro despedaçou ao passar por cima... e não encontro.

Procuro nas velas, nos livros que os outros leem no metrô, nos sorrisos que quase não me dão, na flor que algumas mulheres ainda usam, na rua molhada de chuva, suor e negror, na pintora pessimista, nas ninfetas do vernissage, no último beijo do casal de um filme em preto e branco... e não encontro.

Procuro na máquina de escrever que herdei de quem ainda vive (só não entre nós), no café que me arranca a pele da boca, na janela quebrada, remendada com fita barata, na cortina comida por traça, no pão perdido da sacola... e não encontro.

Procuro no abajur inútil ao sol, no sono de quem não dorme, na pilha de livros que está há dois meses no chão, na roupa que desprende do varal e cai, na bicicleta que range ao passar, na carta escrita em um caderno qualquer... e não encontro.

Mas se em nenhum lugar eu sou capaz de encontrar, mesmo com a cólera que cada busca me dá, é porque não existe. Não existe. Não existe sentido para a vida.

E saber disso é encerrar a busca.

E encerrar a busca é o que se faz quando se encontra.

E encontrar é já não mais querer.

Não quero, portanto. Não quero o sentido. Não quero o sentir. Nem sei se a vida eu quero ainda.

2 comentários:

  1. Texto lindo,Linné,lindo.
    Adorei o trecho:
    "Procuro na bagunça dos lençóis manchados de porra, nas fotografias de quem nunca existiu, nas contas de um rosário azul, no abraço de quem vem avisar que a morte há, no medo da criança, no asco da velha, na trepadeira que enredou menina, machado e flor... e não encontro."
    Tão bonito,Linné.

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  2. Obrigado, Dilma.

    Experimentei nesse texto uma técnica de "inspiração" que até então não conhecia. Em cada descrição, fui pegando elementos de pinturas postadas em um blog de poesias.

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