segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

é CARNAVAL - Por Vinícius Linné

Toca Wagner.

Enquanto desenrola a meia arrastão pela perna, ela sabe. Sabe que a meia se rasgará quando ela for prensada por outro corpo contra um muro de cimento salpicado, isso em um beco qualquer.

O vestido que ela veste pelos pés será arrancado, com fúria, pela cabeça, entre beijos em outro quarto de hotel. E ele amanhecerá em um tapete sujo, estranhamente incólume, com todos os paetês pretos e encarnados em suas devidas linhas.

O batom, vermelho como o inferno, irá se perder na noite, entre bocas e latas de cerveja quente. O rímel, no entanto, não escorrerá dos olhos. Ela sabe. Não haverá lágrimas nessa noite. Já o gliter da sombra, que ela agora espalha com cuidado imenso, partirá para incontáveis outros corpos, em esbarrões e beijos e mãos que cobrirão seus olhos.

A máscara que ela veste agora, de renda negra e cristais de luz, será encontrada só amanhã, por alguma criança ao atravessar a rua. O perfume intenso que ela borrifa em si amanhecerá inesquecível para alguém.

Ela calça, por fim, as botas, cujo salto só quebrará de manhã, na volta para o seu quarto de hotel. Embora, ela saiba: os tacos serão perdidos muito antes.

Já pronta para sair, desliga Wagner.

Naquele instante em que tudo se faz de mais silêncio, ela encara-se uma última vez no espelho grande.

Não! Não queria isso...

Não queria enxergar-se ali, pintada feito uma palhaça, vestida como uma prostituta, toda disposta a se expor ao suor dos outros, a se degradar pela cerveja (que de mais a mais sempre julgou amarga), a ouvir um ritmo que nunca gostou e nem soube dançar.

E agora como? Como ao voltar à consciência de si ainda ir ao baile? Como se anestesiar novamente? Como acreditar outra vez que por uma noite (uma noite só!) ela poderia ser banal? Sem vulgaridade, sem objeções, só banal. Só simples. Só capaz de ouvir a música e mexer o corpo e rir e se deixar entorpecer pelo álcool e pelo cheiro do que lhe é alheio.

Ela não sabe. Não sabe mais como.

O rímel dos cílios borra enfim. Ele parece escorrer em slow pelas rendas da máscara, encontrando caminhos.

Os olhos fecham. Quando abrem novamente, focam o livro de Tólstoi sobre o aparador, o corpus de sua tese de doutorado. Seu corpo perde de vez a determinação, seu ar a graça, seu gliter o brilho.

O perfume que infecta o quarto de repente é doce demais. Ela abre uma janela e, ainda arlequina, senta-se na cama com o Tolstói nas mãos.

Continua. Continua a releitura na página dezenove.

Lá fora, lá fora tudo é barulho.

Afinal, é carnaval.

2 comentários:

  1. Daquilo que se acaba, muito antes da quarta de cinzas.
    Acho mesmo que Carnaval existe para que se escrevam coisas bonitas sobre ele - ou com ele ao fundo. E só.

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  2. Linnné,que bonita essa moça, que louca, linda!!
    Há tantos carnavais.
    Texto delicioso.

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