— Há espaço nos teus textos?
— Como?
— É. Há espaço, há vaga para fazer parte deles?
— Não entendo...
— As letras, só as letras nos fazem imortais e eu queria, portanto, virar letras, ter espaço nos teus escritos, me mudar para dentro deles e ser importante em qualquer parte. Até onde vão esses textos teus, por falar nisso?
— Eu... eu a bem dizer não sei.
— Não importa. Há vaga? Eu sei.... sei... sei que não posso morar nos textos assim, direto. Eu entendo que primeiro eu preciso morar nos teus pensamentos. Eu preciso viver neles, abrir as janelas quando amanhece, fechar quando a noite chega, cuidar de matar as raposas no sótão e calar os cães no verão. Pago adiantado qualquer aluguel. E eu sei também que quando morar nos teus pensamentos por tempo suficiente, eu precisarei me mudar. E vou, vou abrir caminho entre mata fechada e poder, enfim, lotear teu coração. Sei. Sei que lá o barulho é mais calmo, o tempo é mais quente, o ritmo é mais incerto. Sei, mas me disponho de qualquer forma. Eu capino o terreno, reformo teu peito, conserto tudo que estiver quebrado. E ali fico morando até que, enfim, eu possa caber nos teus textos. Do pensamento ao coração, do coração aos textos. É esse o fluxo, é esse o caminho, eu sei. E não me importo. Quero. Há vaga?
— Se houvesse, mesmo se houvesse - e não digo se há ou não há - tu não ias gostar. Meus textos tem espaço demais, imensidões de solidão. A delicadeza deles é escura e lá faz sempre frio. O amor é quebrado, o ódio inteiro, o sofrimento intenso. Nenhum texto meu acaba bem. Então para que morar lá?
— Porque às vezes o sofrimento é mais bonito que a banalidade. A delicadeza, mesmo escura, é ainda delicadeza. E necessária. Então eu não me importo. Eu sei, sei que há infiltrações nos textos teus, e solidão e descaminho em cada letra. Sei que lá não há chance de final feliz. Mesmo assim eu quero. Há vagas?
— Meus textos são maldições, não quartos de porões que podem ser alugados.
— Mesmo assim. Se de um deles só eu fizer parte, já terei realizado o que de mais bonito eu poderia realizar. Eu já teria me convertido no sentimento de outro alguém. Eu já deixaria minha marca impressa em outros olhos, em outros peitos, em outros ossos. Eu já não seria mais sem motivo. Eu teria razão, eu teria porquê. Enquanto aqui, fora dos teus textos, sou só desproposital. E então, há vagas?
— Houve. Houve...
— Houve. Houve...
No fundo, só o autor SABE o que há e o que não há. Quem entrou ou saiu. Quem era e quem foi. Quantas linhas possuem vários anônimos aos olhos alheios? Quanta identidade há em nossas vírgulas? Belo e tenso texto, como quase tudo que você escreve. Sou fã, você sabe. Beijos, Simone Huck
ResponderExcluirMEU. DEUS.
ResponderExcluirQue texto!