terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

"dOCES DELETÉRIOS"- por Adilma Alencar.


Eu comprei um livro do Manoel de Barros, quero que você experimente as palavras que eu como toda semana, elas acompanharão nossa salada e nosso chá. Haverá sempre humor, isso não impede pequenas violências, sobretudo essas inevitáveis, de quando a gente cresce o afeto e o abraço prende as cinturas, mas há de existir sempre uma delicadeza nova para despir o corpo cansado.
Eu ando só. Costurando saias e guardando intenções, usando de ternura para moldar os ponteiros.
Hoje eu comprei um anel com uma pedra verde, pensei em comprar um vinho para acompanhar a degustação poética que farei junto às borboletas que invadem a casa pela manhã, talvez um dia você esteja para me acompanhar. Não estranhe as refeições sem hora, às dez da manhã em dia de sol é o melhor horário para comer palavras de prego, mel e pão, as palavras do Manoel de Barros sujam a gente de infância. Eu vou aprender a costurar as suas cores preferidas dentro de seu tamanho e sabor.
No inverno viajaremos em xícaras de chocolate com assonâncias de cobertor quente, vou desejar morar no seu colo e refazer o caminho da escola, quando eu não conhecia os museus e os acadêmicos com soluços de certezas. Eu sei que vai rir de mim, quando eu falar bobagens alegóricas e quando eu fizer do teto uma tela ,eu vou dividir com você minha alegria de descobrir, no centro da cidade há um bar muito enfeitado, onde violões enfeitam o teto. Vinis, livros e vitrolas se amontoam ao fundo do estabelecimento enquanto as pessoas bebem, onde se você quiser você vai levar sua solidão para beber sereno, há sempre um poeta vendendo verso avulso, um ambulante vendendo colares coloridos, um morador de rua que toca um samba de Nelson.
Roxo, azul, amarelo, bege, preto, branco, eu vou gostar das cores que vão cobrir seu corpo, seu sofá.
Vamos cuspir provérbios e escrever poemas modernos, poema unha, poema arrepio. Vamos içar signos de um lago virgem, significar gaivotas, pombas, postes, páramos, pertencimento, pinça, sabonete.
Vamos fugir à luta e cair no colo.
Que o grande esforço cotidiano de chegar, partir, produzir, ser, ter, parecer, reaver, anotar, parcelar e planejar seja menor que o movimento das nuvens quando a tarde cai que os raios, trovões e atrasos não nos roubem o olhar sobre as gotinhas de chuva que enfeitam a janela, de onde sempre dá pra ver alguém com um guarda-chuva vermelho dançando com o cinza vivo da cidade.
Matar a sede. Manuscrever as palavras: CEP, remetente, saudade. Fazer laço de fita verde naquela coletânea de crônicas do seu escritor preferido.
Mostrar minha tatuagem nas costas e dobrar minha coberta, finalmente arrumar o quarto.
Os agrupamentos rotulares serão vistos de longe de onde estivermos.
 As pontes que nos levarão ao céu são de carne, saibamos. São passos, pele, unha, gengiva, retinas, movimento na matéria, poros, cílios, cintura, movimento.
 Acerca da lógica que produz o nada, sobre o abismo que a linguagem discorre, descortina, forja e institui,deixemos para mais tarde. Sejamos comovidos e comoventes ao bater das asas das borboletas num céu de verão, ou ainda e mais às flores ao chão querendo o nosso olhar, que nunca nos falte uma pétala para nos lembrar de cor e maciez, de comida e vida.

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