Nosso filho, rosto meu, rude e grave e olhos seus, cínicos e moles. Ele ficará
sob o teto que agora será só seu. Os
finais de semanas serão sempre a previsão de nosso encontro, onde sua liberdade
e meu descaso com o corpo certamente me darão constrangimento.
Cinco anos acordando com sua mão sobre a minha. Certamente essa ausência
carente de razão me trará uma gastrite. Nervoso, eu sempre fui muito nervoso.
A minha barba já começa a demonstrar minha preguiça de acordar, ela
cresce e fecha meu rosto para o mundo, esconde pele, e riso há muito já não
vem.
As minhas calças amassadas também denunciam meu descaso e eu não quero
conquistar outras mulheres, semana passada paguei por sexo, não o farei mais,
ando carente de palavra e os xingamentos dela já me deixaram lírico tal é meu
estado de solidão.
Uma puta pisou no meu corpo tão
seu durante cinco anos, tão seu quanto meus olhos que agora boiam pelo Tietê, decotes
gulosos, pés coloridos, flores baldias, sempre com o mesmo gesto de dureza.
Eu não vou àquele Congresso de Filosofia da Linguagem, eu sei que
esperei por anos para que enfim ele fosse realizado perto da nossa cidade.
Eu vou dar um tempo, meu bem.
Eu sei de minha decisão de partir, sei o buraco que abri nesse peito
seu, eu vi, fiquei à espreita naquela noite que antecedeu o fim, saí do sofá e
testemunhei sua agonia. Nua e alva às três da manhã com meu retrato preso ao
peito enquanto fumava e soluçava como uma menina que de repente perde sua
boneca preferida, choro e lágrima de mulher que
durante os eternos cincos anos chamei minha.
Eu sei que me falta palavra e que a adoeço com esse repente de partir,
não ignore meu amor eternamente seu, não ignore meus traços no seu filho, não
odeie nossos dias santos, nossos olhares à mesa de jantar e minha ternura que
tantas vezes tomou seu corpo em gozo e força.
Um homem também chora pérolas e pena sozinho a chegada da solidão
arrebentando o peito.
É também por amor que eu saio de sua cama.