segunda-feira, 8 de julho de 2013

iNVERNO - Por Vinícius Linné

Você coloca toalhas velhas nas frestas das janelas. Como se não bastasse, você empurra os panos com a ponta de uma tesoura afiada. Você lacra cada abertura, veda cada furo, tranca, com papel higiênico, até os buracos das fechaduras. 

Você liga os aquecedores, empilha todos os cobertores, deita de roupa, casaco, meia, tênis, manta. Não adianta.

Você vai à cozinha, ferve água e derrama na xícara sobre algumas folhas verdes. Você bebe o chá ainda fervendo, queima boca, língua, faringe, esôfago, estômago. E nada. Você descola a pele aos pedaços, estoura bolhas, puxa couros, tudo arde, mas é de frio.

Você bota as mãos direto sobre a chama do fogão. Elas grudam nas grades, o sangue borbulha, a carne vai assando, se desfazendo em fumaça e cinzas e, mesmo assim, você continua tremendo.

Demora. Demora até você entender que não adianta. Você encosta o que sobrou das mãos no rosto, seus cabelos grudam no sangue, as bolhas seguem vertendo água. A água é gelada. É gelado também o toque dessas mãos. São geladas, ainda, as lágrimas que descem pela sua face e se cristalizam, antes mesmo de chegarem à boca.

Não adianta. Nada mais adianta. Depois daquele último abraço, ao pôr do sol, você nunca mais saberá o que é calor.

5 comentários:

  1. Dá um medo do calor nunca mais volar. O calor não vai voltar pra mim.
    Texto lindo,Linné.

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  2. Mas e então, Linné, como faz?

    (Sei que não é do seu tempo. Mas cantarolei ao te ler.
    "Esse calor insuportável
    Não abranda o frio da alma
    A vida já não é tão segura
    E nada mais lhe acalma"
    Só o fim - Camisa de Vênus)

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    Respostas
    1. Não sei como faz também...

      Quantas músicas o texto suscitou...
      De minha parte, relendo, veio "As aparências enganam" da Elis.

      "Os corações viram gelo e, depois,
      não há nada que os degele
      Se a neve, cobrindo a pele,
      vai esfriando por dentro o ser
      Não há mais forma de se aquecer,
      não há mais tempo de se esquentar
      Não há mais nada pra se fazer,
      senão chorar sob o cobertor"

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