Maria: o lenço, o limbo, desprezo
na minha língua, as nuvens todas ainda na minha boca, meu sangue entre as
pernas, a filha que vai nascer, rugas no seu espelho, primeiro desejo de morte,
cafés com creme, as estações de trem ou o beco das ruas escuras, as sombras de
Capitu, a cegueira de Blimunda, deus aberto em flor de mandacaru, deus entre
minhas coxas, a eternidade em suor e sal, as lágrimas da mulher que enterrou o
filho, as unhas cortadas a dentes, ardentes, infames e sujas. Maria: Canção
torta de um lirismo de choro, esmaltes secos na minha estante, cachecol azul na
minha cama, pasta de dente na minha pia, atraso de relatórios, cheiro entre
papéis, papéis trocados, terapia de sol e grama, elástico de minhas vontades
oblíquas, fome de cor, nas curvas de desejos fáceis, mel com cachaça,
candeeiro, cangaço de minhas tentativas, arapuca de confete, bicicleta em tarde
fria, água gelada, corpo em nó, em laço, lance, visgo de rotina de pele,
placidez em dentes, em ferida, vontade de escrever sobre o céu, de violentar
uma certeza cravada nos ombros, aliança de plástico, umbigo-mapa-mundo, estampa
de poesia na nuca, angústia no nunca, abismo de boca aberta ao meu encontro,
precisão, guilhotina, merthiolate, suspiro com veneno, prozac, paracetamol, chá
de cogumelo, meu golpe, minha gare, emplastro, nódoa da caju, visgo de jaca,
pinha, remendo de arame farpado, fiapo de manga no dente branco.
Maria, me levanta do chão? Me abre em
inferno, em tapa, em teto. Transe com um monge, com uma puta e volte para minha
casa, banharei seu corpo, lavarei seu cabelo com chá de pitanga, passearei os
dedos na sua nuca, abotoarei seu casaco e dormirei com essa ilusão de que seu
calor, da Sibéria, compassa minhas angústias.
ilusão ou não Maria passa. e gostei dessa também.
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