terça-feira, 30 de julho de 2013

dESRAZÃO - por Adilma Alencar.


Que esses seus lábios ateus rebocados de vermelho melancia saibam bendizer nosso amor em tempo pretérito. Eu vou enlouquecer docemente entre outras coxas, entre outras avenidas.

Nosso filho, rosto meu, rude e grave e olhos seus, cínicos e moles. Ele ficará sob o teto que agora será só seu.  Os finais de semanas serão sempre a previsão de nosso encontro, onde sua liberdade e meu descaso com o corpo certamente me darão constrangimento.
Cinco anos acordando com sua mão sobre a minha. Certamente essa ausência carente de razão me trará uma gastrite. Nervoso, eu sempre fui muito nervoso.
A minha barba já começa a demonstrar minha preguiça de acordar, ela cresce e fecha meu rosto para o mundo, esconde pele, e riso há muito já não vem.
As minhas calças amassadas também denunciam meu descaso e eu não quero conquistar outras mulheres, semana passada paguei por sexo, não o farei mais, ando carente de palavra e os xingamentos dela já me deixaram lírico tal é meu estado de solidão.
Uma puta pisou no meu corpo tão seu durante cinco anos, tão seu quanto meus olhos que agora boiam pelo Tietê, decotes gulosos, pés coloridos, flores baldias, sempre com o mesmo gesto de dureza.
Eu não vou àquele Congresso de Filosofia da Linguagem, eu sei que esperei por anos para que enfim ele fosse realizado perto da nossa cidade.
Eu vou dar um tempo, meu bem.
Eu sei de minha decisão de partir, sei o buraco que abri nesse peito seu, eu vi, fiquei à espreita naquela noite que antecedeu o fim, saí do sofá e testemunhei sua agonia. Nua e alva às três da manhã com meu retrato preso ao peito enquanto fumava e soluçava como uma menina que de repente perde sua boneca preferida, choro e lágrima de mulher que durante os eternos cincos anos chamei minha.
Eu sei que me falta palavra e que a adoeço com esse repente de partir, não ignore meu amor eternamente seu, não ignore meus traços no seu filho, não odeie nossos dias santos, nossos olhares à mesa de jantar e minha ternura que tantas vezes tomou seu corpo em gozo e força.
Um homem também chora pérolas e pena sozinho a chegada da solidão arrebentando o peito.
É também por amor que eu saio de sua cama.


2 comentários:

  1. Lindo como só poesia pura pode ser.

    Eu nem digo o quanto me encontrei nesse texto. Nem digo.

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  2. Obrigada,Linné.
    Nesse texto eu me perdi, que nem a moça que chora.

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