terça-feira, 23 de julho de 2013

lUZIA - por Adilma Alencar.

Ela beijava o gesso como se invocando o signo a lágrima lhe fosse justificada.
Qual o tamanho do buraco que a morte abre nos olhos dos que tem os dias para sempre aleijados?
Para quem perde um amor para o mistério da matéria a morte é um aleijo.
Sempre órbitas boiando em rosários, em altares, em cordas, balas. É sangue no olho e verbos anêmicos apodrecendo em coroas de flores eternamente vistas. O buraco nos olhos de Maria nasceu da coroa de flores que enfeitava Miguel.
Maria veste-se com simplicidade augusta, saias de filó, vestidos em tons claros, alvos.
Os olhos crispados de uma loucura mansa fazem dó aos conhecidos seus.
Diariamente atravessa a avenida com flores e rosário nas mãos, quebra os joelhos junto à imagem de Santa Luzia colocada ali no dia do enterro, chora até o soluço lhe saltar seco na garganta.
Maria morrera junto com Miguel, embora à Maria fosse dada a cruz da matéria, presa num corpo que como um cão fareja o dono e segue seus passos, ela vive a loucura que cintila no seu olhar, acaso não é loucura,saibamos,é sinal de aleijo, falta-lhe a alma.
Desde que sua alma partiu, seu itinerário é: seu quarto, o corredor, a sala onde um quadro do Elvis enfeita a parede. Ali simula seu martírio de cemitério. A família a internara desde a morte de Miguel.
Ali jaz Maria, sanatório Santa Luzia, bairro das Flores.

4 comentários:

  1. Ler suas linhas é sempre suspirar no final. Já fui Maria... Lindo, Adilma. Lindo sempre!
    Com o carinho da nossa amizade, beijo-lhe as mãos.
    Huck

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    1. Si.Olhe que sempre fico lisonjeada com seu olhar sobre minha escrita tímida,porque você sabe do tanto que admiro suas letras tempestivas e febris, sou sua tiete.Um xero.

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