Gabriel Pacheco
Desce a rua dos Lírios
com as mãos no bolso. O amor é a própria tormenta em forma de flor. Às vezes tem nome de rua. Tropeça num pedaço de tule vermelho
da última noiva que se casou na esquina. Um pano leve para certezas
pesadas. A noiva abandonou o véu do amor num cruzamento qualquer. O
amor tem esquinas confusas. Cruzamentos perigosos. Trânsito de
intenções distintas sem sinalização de ordem. Amar é uma
colisão. Todos morrem. Ela morreu na rua dos Lírios, sem número.
O tule arranha o passado dele. Uma voz invade
seu ouvido: “Prometo amar você no inferno dos dias monótonos e na
insensatez das horas sem respostas”. Descobre que ela mentiu na
saúde e na doença. Tira as mãos do bolso e antes de atravessar
para o outro lado da rua, lê a placa em frente da casa velha: “
VENDE-SE: Três quartos com uma suíte inacabada e um
sótão empoeirado para você se enforcar”. Sorri. Se tivesse comprado aquela casa, seriam felizes na alegria e na tristeza. Era o primeiro anúncio digno
dos últimos quatro anos de sua vida.
Abre a porta de sua
casa e antes de entrar tira os sapatos e as meias. Caminha descalço
até o quintal e pendura no varal
alguns de seus silêncios. Nada seca. O tule vermelho, que ele
recolheu do chão e carregou até ali, pinga miçangas do pai, filho
e espírito santo. O amor disse amém e atravessou a rua sem olhar. O
varal escorre vírgulas sem controle. Senta num canto e
chora consoantes mortas. Percebe que amanheceu sem asas, sem língua e sem
vogais. Calça os sapatos, enrola-se no tule vermelho e sai de casa apressado. Atravessa a primeira avenida sem olhar.
Era tarde demais para qualquer semântica.
O vento carrega o tule para outra direção.
O vento carrega o tule para outra direção.
Até que a vida os separe, então.
ResponderExcluiruma venda não casada.
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