quinta-feira, 11 de julho de 2013

vENDE-SE - por Simone Huck


Gabriel Pacheco

Desce a rua dos Lírios com as mãos no bolso. O amor é a própria tormenta em forma de flor. Às vezes tem nome de rua. Tropeça num pedaço de tule vermelho da última noiva que se casou na esquina. Um pano leve para certezas pesadas. A noiva abandonou o véu do amor num cruzamento qualquer. O amor tem esquinas confusas. Cruzamentos perigosos. Trânsito de intenções distintas sem sinalização de ordem. Amar é uma colisão. Todos morrem. Ela morreu na rua dos Lírios, sem número.

O tule arranha o passado dele. Uma voz invade seu ouvido: “Prometo amar você no inferno dos dias monótonos e na insensatez das horas sem respostas”. Descobre que ela mentiu na saúde e na doença. Tira as mãos do bolso e antes de atravessar para o outro lado da rua, lê a placa em frente da casa velha: “ VENDE-SE: Três quartos com uma suíte inacabada e um sótão empoeirado para você se enforcar”. Sorri. Se tivesse comprado aquela casa, seriam felizes na alegria e na tristeza. Era o primeiro anúncio digno dos últimos quatro anos de sua vida.

Abre a porta de sua casa e antes de entrar tira os sapatos e as meias. Caminha descalço até o quintal e pendura no varal alguns de seus silêncios. Nada seca. O tule vermelho, que ele recolheu do chão e carregou até ali, pinga miçangas do pai, filho e espírito santo. O amor disse amém e atravessou a rua sem olhar. O varal escorre vírgulas sem controle. Senta num canto e chora consoantes mortas. Percebe que amanheceu sem asas, sem língua e sem vogais. Calça os sapatos, enrola-se no tule vermelho e sai de casa apressado. Atravessa a primeira avenida sem olhar.

Era tarde demais para qualquer semântica. 
O vento carrega o tule para outra direção.

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