No bilhete do trem está clara a data da partida: 31 de dezembro de 2012, 23h59min.
A data de chegada também: 01 de janeiro de 2013, 0h00min. Uma viagem de 60 segundos só. Colocar o pé para dentro do trem e sair. Que importância isso pode ter? Toda. Toda porque de onde se parte é para onde não se pode voltar. Quando todos estiverem no trem, tudo que ficou para trás deixa de existir. Por isso é fundamental estar preparado. Por isso o cuidado agora, na hora de fazer essas malas. Só o que você decidir levar para o trem será salvo de alguma forma.
O que fazer das pessoas que lhe fizeram mal? Deixe-as. Deixe-as assim como estão, azedas e mofadas, mas não se esqueça de anotar seus nomes e levá-los. É bom não esquecer. Os amores imaginários? Deixe-os também. É preciso lugar na mala para o que se encontra no caminho.
Os desgostos todos? Livre-se deles sem dó. São pesados, ocupam espaço e não servem para muita coisa. Os aprendizados, porém, leve-os todos, mesmo se nada mais couber na mala. Eles são o que de fundamental você precisa ter.
Das pessoas que conheceu, leve as mais importantes. Aquela meia dúzia essencial para os dias de frio ou de calor. As esperanças, coloque-as na frasqueira. Que fiquem à mão e sirvam para deixar a vida bonita, mesmo naqueles dias em que tudo acorda fora do lugar. Cuidado, porém, para não confundir esperanças com ilusões. As ilusões você deve descartar, embrulhadas em jornal para que não machuquem mais ninguém.
Os sorrisos você leva. As lágrimas também. Nenhum sentir pode mesmo ser descartado. Leve os abraços enrolados. Assim se ajeitam melhor. Na procrastinação bote fogo, por favor. Ela tem a estranha mania de entrar na bagagem, mesmo quando não é colocada. As músicas que conheceu leve à mão. Você vai precisar delas. Dos livros todos que leu, leve os mais importantes, deixe bastante espaço para os que ainda vai ler. PS: os que tiverem dedicatória, nem pense, leve. Eles fazem parte do delicado da vida.
As conquistas precisam ir todas também, para lembrá-lo de que é possível sim conquistar. Já as coisas não resolvidas, ou estranhas, ou embaraçosas, faça de conta que esqueceu sobre a mesa. As fotografias, coloque no fundo da mala, com cuidado para não amassá-las. A vontade você não pode esquecer de modo algum, assim como o desejo, a paixão, a motivação. Você sabe que precisa deles de hora em hora.
Enfim, meu bem, abra os armários, areje-os, junte tudo que conseguir juntar, carregue as malas com tudo que você teve e que conseguiu prestar. Encha, também sem dó, os sacos pretos de lixo, desconsidere, esvazie-se, descarte cada cisco que não servir mais. Veja duas vezes se não está esquecendo nada...
Está? Ah, sim, o desejo de mudança... esse você deve deixar fora da mala. Vista-o por inteiro nessa noite. É sempre bom vestir algo assim para a viagem.
Boa viagem, aliás. Que tudo que você deixar seja incinerado quando você embarcar no trem. E que, ao descer, você encontre um mundo todo fresco e lavado, um lugar a ser descoberto e vivido e aproveitado. Que na próxima viagem, no próximo fim de ano, você tenha ainda mais o que levar – e, por favor, cada vez menos para jogar fora.
Aproveite a viagem, aproveite a vista, aproveite a vida. Sem dó.