terça-feira, 29 de janeiro de 2013

cASAL - por Dilma Alencar.


Passos tristes em direção à estação, a chuva fina molha as mãos dadas, os casais passam no sentido contrário, um homem com boina vermelha e calça justa improvisa Chico Buarque em seu violão preto, enquanto dois bêbados abraçados soluçam cerveja e descem a rua.
Um casal caminha sem pressa, no início os passos parecem tomar a mesma direção: o metrô.
Ela conheceu Eduardo numa tarde de sexta, entre uma página e um cigarro, ela sofria a angustia das personagens Clariceanas.
Depois de chamar três vezes, finalmente Eduardo conseguiu ser ouvido. E sim, ela tinha fogo.
Os sorrisos foram embalando os braços, os olhos adivinharam alguma coisa por trás das coisas óbvias dos parques.
A grama parecia mais verde, o céu pintou umas nuvens de laranja e alguém tocou a música “vinte e nove”, falaram, ao mesmo tempo, o quanto gostavam daquela música.
Ela reparou uns fios grisalhos no cabelo do homem, notou uma cicatriz no modo dele olhar o horizonte. Sua imaginação feminina e passional deu a ela um nome de mulher, foi o primeiro sinal de querer Eduardo, muitos sentimentos nascem assim, de um nó inventado, de uma cicatriz imposta rente à carne do outro.
Nada doía, saibamos. Os olhos faiscavam alguma coisa além do tesão.
Ele falava pouco, desajeitado com as palavras que sempre foi. Mas fazendo esforço para ser agradável e permanecer ali, perto da voz e do decote da moça. Ele gostou das cores do lençol que cobria a grama, achou graça por ser um lençol e não uma toalha de mesa como de costume no parque.
Comprou água com gás e guaraná.
Um homem passou oferecendo fotografias ao casal.
-Registrem esse momento. Dizia.
Eles sorriram, pois não eram nada além de desconhecidos, se assim se souberem sempre, desconhecidos, terão graça.
Um outro homem passou oferecendo a preço de alma e culpa a história de um homem crucificado.Eles não ouviram.
Fumavam mais e falavam mais perto um do outro.
Eduardo chegou mais perto da moça, rio um riso que interrogava a aproximação dos rostos. Ela disse que sim, com um olhar demorado que anunciava ternura em pétalas lilases.
Ele, inseguro como os homens negam ser, tocou a cintura dela.
E logo, casal.
No fim do dia, casal.
As mãos, ainda tímidas da novidade, ora juntas, ora soltas.
Caminhavam em direção ao portão de saída.
Eduardo, devagar, como se a moça fosse de porcelana cara, passou seus braços pela cintura dela e a abraçou como um namorado faz.
Ela deslizou os dedos entre os cachos castanhos que cobriam a nuca de Eduardo.
Telefones trocados, vontades ditas entre um beijo e outro, um amasso e outro.
Antes de dormir, ela mandou um haicai do Leminski para o homem, Eduardo não estava em casa ainda, mora longe do parque e dela.
Ele enviou como resposta uma “carinha” feliz, e escreveu logo em seguida, para se redimir da economia linguística, uma frase explicando a alegria que o cheiro da moça anunciou aos seus sentidos.
O primeiro café juntos. Ela escolheu um lugar bonito: xícaras estampadas de verde oliva, frases nos pires. Ele usou um tênis vermelho. Ela provou seis vestidos antes de decidir usar uma saia.
Sabiam pouco um do outro, se queriam. Ela não fez perguntas.
Ela viu que ele dispensa canela e gosta de café carioca.
Eduardo disse do trabalho com entusiasmo, diferente da moça, que vivia a dúvida de dizer sim a estabilidade ou arriscar dois anos fora do país, conhecer “gente nova”.
Seis meses. Hoje faz seis meses do dia do parque.
É noite, os passos desse nosso casal caminham sob o céu cinzento e chuvoso.
É mês de festa. As mãos já não se sabem soltas.
Em frente à estação, um beijo demorado sela o fim do domingo.
Doces, cheios de luz, encantados com o brilho azul que a chuva trouxe à cidade. Eles se despedem, tristes, como se uma semana fosse uma ano longe dos sentidos um do outro.
Um casal sob a garoa humaniza o olhar.

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