By Julia Anna |
Porque fiz uma ou duas palavras enfeitadas, agora querem que eu encha todas elas com gás hélio e as ponha flutuar sobre a cidade. E eu quero? Eu quero desperdiçar minhas palavras bonitas com fios que arrebentarão? Com gás que incendiará? Com plástico que perderá brilho e forma?
Eu não quero. A bem dizer, não quero. Eu queria só enfeitar a minha própria vida com as palavras. Eu queria poder caber em mim e querer em mim ficar. Isso passava, invariavelmente, pelo enfeite das palavras.
Era minha a festa. Eram meus os balões. Agora cada um os quer levar para casa, em um eterno clima de fim de festa. E se eu disser que não, passo por mal educado. E se eu chorar, vão me dizer um mimado. Então eu me submeto a eles, porque é assim que sempre fiz e sempre fui. Eu entrego, eu dou as palavras, eu esvazio e perco meu próprio gás e em troca ganho uns sorrisos satisfeitos. Eles saem felizes, ganharam o que queriam...
Mas não queriam para enfeite. Não queriam para ficar. Eles queriam minhas palavras para ver só como flutuam no ar, em que altura estouram, quando é que se esvaziam. Eles queriam soltar os balões perto da rede elétrica e ver faísca, dar ao gato para brincar e rir do susto, esvaziar as minhas palavras em suas próprias gargantas e repetir o que digo com voz esganiçada.
E eu dou. Dou as palavras, levem! Levem todas! Lucrem delas, vivam delas, deixem que elas se percam no mais poluído do ar. Mas depois não me peçam bis. Não me queiram mais. Não me desfalquem assim, de graça. Depois de me levarem as palavras todas, me deixem no silêncio. No mais puro silêncio, na imanência do que não quer mais ser, não quer mais brotar, não quer mais flutuar e se perder do ar. Me deixem mudo, mas então me deixem. Pelo menos isso. Não queiram, depois, roubar de mim até o que não digo. O silêncio não, por favor. O silêncio deixem comigo. Dele eu preciso.
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