Eu vi.
Eu não disse, é pecado calar?
É difícil acreditar na previsão de nossas falas, nos ímpetos de nosso
corpo. Ler poema do Bandeira naquele bar não foi a maneira mais comum de
esconder meu olhar. O jeito bonito de
você me dizer que prefere ir ao cinema as quartas e que os filmes do Von Trier
inquietam suas crenças me deixou querendo chegar mais perto, eu fiquei adivinhando
sua casa, seu corpo, porque seu corpo desfilava bonito entre as mesas,
procurando o caixa pra pagar a comanda, procurando outro lugar pra gente se saber
mais de perto.
Você sorria enquanto o sinal mudava de cor, enquanto a neblina dançava
no horizonte, você sorria carinhos a respeito de meus gestos, eu devolvia com
minha mão pousada na sua coxa, sem movimento, sem anseios, era cumplicidade nossa, vontade de estar junto.
O sinal abriu.
Para o bem de uma ternura crua que nascia naquele bar, entre
tropicalismos saudosistas e chorinhos românticos, para a salvação das segundas-
feiras, para conseguir os ingressos, para ver em par aquela peça sobre o Noel,
para acalentar o pranto que rompe quando eu não quero fugir, para um bem
desconhecido de nos encontrarmos num beijo longo abrindo uma madrugada nova.
Quebrando o ensaio do óbvio, dormimos como crianças, embebidos de mel e
água, com a alma assustada daquela calmaria iluminada que o domingo anunciava.
Cresciam os olhares moles da nossa primeira manhã, na avenida o som dos
ônibus dizia de uma pressa que nunca tivemos.
Sorrimos um ao outro e depois do café, separamo-nos.
Para dormir essa saudade atarantada de uma noite que embalou dois
corações cansados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
o Febre CRÔNICA agradece sua leitura e comentário.