terça-feira, 30 de abril de 2013

dE SÁBADO - por Adilma Alencar.


Eu vi.
Eu não disse, é pecado calar?

Senti quando sua voz engasgou e eu toquei sua mão, toquei de leve, seu olhar fugiu, eu também tive medo de chegar perto assim sem arma nenhuma, mas o sábado estava tão dolorido. Eu acreditei que você também tinha uma sede de outra coisa, que aquele lugar já não nos agradava, aquele papo sobre futuro, sobre as relações, sobre o ciúme, me senti cansada, eu queria mesmo deitar em seu colo e alcançar sua mão, queria te olhar até o cansaço chegar com doçura nos meus olhos.

É difícil acreditar na previsão de nossas falas, nos ímpetos de nosso corpo. Ler poema do Bandeira naquele bar não foi a maneira mais comum de esconder meu olhar.  O jeito bonito de você me dizer que prefere ir ao cinema as quartas e que os filmes do Von Trier inquietam suas crenças me deixou querendo chegar mais perto, eu fiquei adivinhando sua casa, seu corpo, porque seu corpo desfilava bonito entre as mesas, procurando o caixa pra pagar a comanda, procurando outro lugar pra gente se saber mais de perto.
Você sorria enquanto o sinal mudava de cor, enquanto a neblina dançava no horizonte, você sorria carinhos a respeito de meus gestos, eu devolvia com minha mão pousada na sua coxa, sem movimento, sem anseios, era cumplicidade nossa, vontade de estar junto.
O sinal abriu.
Para o bem de uma ternura crua que nascia naquele bar, entre tropicalismos saudosistas e chorinhos românticos, para a salvação das segundas- feiras, para conseguir os ingressos, para ver em par aquela peça sobre o Noel, para acalentar o pranto que rompe quando eu não quero fugir, para um bem desconhecido de nos encontrarmos num beijo longo abrindo uma madrugada nova.
Quebrando o ensaio do óbvio, dormimos como crianças, embebidos de mel e água, com a alma assustada daquela calmaria iluminada que o domingo anunciava.
Cresciam os olhares moles da nossa primeira manhã, na avenida o som dos ônibus dizia de uma pressa que nunca tivemos.
Sorrimos um ao outro e depois do café, separamo-nos.
Para dormir essa saudade atarantada de uma noite que embalou dois corações cansados.

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