A fome de domingo a abandonara junto com seu gato
preto que fugira na noite de São João. O raio de sol incidia no cinzeiro sujo
que enfeitava a mesa da cozinha. Ela acendeu mais um cigarro, esticou os braços
e se deixou sentir preguiça.
O silêncio precioso daquela manhã tocava uma memória líquida,
uma represa inundava a sala, a fumaça tragada com gosto e prazer acendia
desejos do sangue, a força insistia inquieta dentro do corpo languido e branco
de uma mulher.
Deitou seu corpo no sofá verde e olhou o teto,
reparando numa teia de aranha que cercava o lustre simples.
Dona do tempo que escorre pelas paredes brancas, que varre
a avenida, que enrola lãs nos tornozelos, que amarra ao pé da cama os medos de
uma mulher.
Pensa na teia, pensa nos títulos, lembra-se dos livros
abertos sobre a cama. Refaz o pensamento e acende mais um cigarro.
Entre um cigarro e outro nasce o espaço das estrelas,
a casa acolhe sua vontade de nascer no soluço do choro.
A casa evita a morte.
As lanças corroem o pulso. Carta, data, substantivo próprio,
aniversário, CEP.
Maria.
Ela foi tragada pela memória.
Refaz o pensamento e acende mais um cigarro
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