terça-feira, 23 de abril de 2013

sUBSTANTIVO PRÓPRIO - por Adilma Alencar

Chave, bule azul esmaltado, louça lavada, almoço pronto.
A fome de domingo a abandonara junto com seu gato preto que fugira na noite de São João. O raio de sol incidia no cinzeiro sujo que enfeitava a mesa da cozinha. Ela acendeu mais um cigarro, esticou os braços e se deixou sentir preguiça.
O silêncio precioso daquela manhã tocava uma memória líquida, uma represa inundava a sala, a fumaça tragada com gosto e prazer acendia desejos do sangue, a força insistia inquieta dentro do corpo languido e branco de uma mulher.
Deitou seu corpo no sofá verde e olhou o teto, reparando numa teia de aranha que cercava o lustre simples.
Dona do tempo que escorre pelas paredes brancas, que varre a avenida, que enrola lãs nos tornozelos, que amarra ao pé da cama os medos de uma mulher.
Pensa na teia, pensa nos títulos, lembra-se dos livros abertos sobre a cama. Refaz o pensamento e acende mais um cigarro.
Entre um cigarro e outro nasce o espaço das estrelas, a casa acolhe sua vontade de nascer no soluço do choro.
A casa evita a morte.
As lanças corroem o pulso. Carta, data, substantivo próprio, aniversário, CEP.
Maria.
Ela foi tragada pela memória.

Um comentário:

o Febre CRÔNICA agradece sua leitura e comentário.