segunda-feira, 8 de abril de 2013

UM começo - Por Vinícius Linné


Enquanto tentava acalmar a respiração, ela pensava sem parar: “Quando é que começa? Quando é que começa? Eu estou cansada! Quando é que começa?”

Não havia uma resposta simples. Sequer havia uma resposta.

A impressão que ela tinha, no entanto, era de que se resposta houvesse, a sua seria: nunca!

É engraçado. É engraçado porque ela sempre acreditou que haveria um instante e a partir dele a sua vida começaria a acontecer. Cada vez estava mais difícil acreditar. Ela tinha quase trinta anos e ainda não começara.

Eu poderia gastar parágrafos e parágrafos explicando minuciosamente o que significa a vida “começar”. Não vou. Esse texto é para os que sabem o que é uma vida que não começou. 

Todos os dias ela tentava o melhor. Todos os dias ela recebia pelo menos uma dúzia de elogios sobre seu talento. Todos os dias alguém pedia seu auxílio. Todos os dias ela dava ideias e criava projetos e indicava soluções. Quase nunca ela ouvia um “obrigado”.

Ela estava acima da média medíocre dos que estavam à sua volta. Era modesta e não reconhecia isso, mas estava. Estava acima do próprio chefe, por exemplo, mas recebia um salário inferior até ao da secretária, também por exemplo.

Enquanto outros apresentavam as ideias dela (sem citá-la, logicamente) ela os aplaudia. Depois iam todos a festas para comemorar as promoções, festas às quais ela não era convidada.

No outro dia ela continuava. Tudo de novo. Tudo igual.

Ela se sentia como uma mariposa posta sob um vidro emborcado. Para cada lado que ia, ela podia ver o horizonte azul, infinito e rajado de promessas. Para cada lado que ia, ela batia nas paredes de vidro e não podia alçar mais voo.

Sempre paredes. Sempre o horizonte se distanciando. Sempre a perspectiva diminuindo. Sempre a esperança sendo frustrada.

Não. A pessoa não vive de elogios. Não. A pessoa não vive.

Não vive, ou pelo menos não tem a sensação de que vive. Para ela, era como se a vida que ela levava fosse pequena e curta demais para suas capacidades. Era por isso, talvez, que ela se sentia daquele jeito.

A vida começar podia significar ela usar todas suas potencialidades. Ou, quem sabe, ver seus esforços darem resultado. Ver sua luz iluminar a si própria, não só aos outros. Não sempre aos outros...

Nada.

No dia em que ela cansou e gritou com todo mundo do escritório, foi chamada de louca.

Disseram que sempre haviam notado isso. Ela era mesmo perturbada. Aquelas ideias todas... Não, aquelas ideias não podiam ser bom sinal.

Quando ela criticou o modo como era tratada, foi chamada de mal-agradecida. Onde é que já se viu?! Sempre fizeram de um tudo por ela. Sempre reconheceram a importância dela. Acaso não a elogiavam? Elogiavam sim! Então? Do que ela poderia reclamar? Mas o que mais ela queria?

Queria que a vida começasse.

Queria que eles não a tivessem olhado daquele jeito. Queria que não tivessem rido e gritado com ela. Queria que eles não a tivessem demitido, por justa causa. Queria não ver seus trabalhos assinados com outros nomes. Queria não ver as condecorações e prêmios que os outros ganharam por suas ideias. Queria, meu Deus, não ter aquela arma na bolsa.

Ela queria não ter atirado em seis deles. Queria não estar debaixo de mesa, trêmula, ofegante, esperando a polícia chegar enquanto pensava sem parar: “Quando é que começa? Quando é que começa? Eu estou cansada! Quando é que começa?”

3 comentários:

  1. Vinícius,como você escreve assim,hein?!
    Construção mais linda, ideia mais dolorida, sintaxe mansa desse talento seu.
    Achei o texto lindo,Obrigada por todo esse seu escrever assim que comove.Um xero.

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    Respostas
    1. Oi Dilma. Não há segredo. E se há, você também o conhece.

      Obrigado por ler.
      Abração.

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  2. Se ela fosse minha personagem, teria matado milhares... e ainda assim, estaria perdida na dúvida de um começo.
    Você é sempre inusitado meu amigo. Gosto tanto disso.
    Beijos

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