terça-feira, 9 de abril de 2013

eNDEREÇAMENTO - por Adilma Alencar.


Espero claro que espero.
Eu só porque, às vezes, dói esse reclame, é só do tempo.
A cidade tem me deixado cansada, porque eu ando sem paciência para ver os ponteiros mudos, as placas repetitivas, o trem parece uma cela, as escadas me levam e eu não pergunto mais nada, é só a pressa burra escondendo os doces, os brigadeiros, escondendo os beijos longos.
Só o céu me acalma em dias mais agudos, em dias onde a luz é um acinte explodindo o vermelho no asfalto. Eu jurei alegrias eternas e hoje o tédio arrombou a porta com lembranças doces no colo, há razões para enlouquecer.
E essa fraqueza de não acreditar?
Deus, onde finca a fé? Onde jorra a lágrima de quem acredita? Quem mata também ama?
Joga sua luz, acende os nervos bons, acalma minha ira, deixa sempre uma flor ganhar a cena do tédio que escorre do meu olhar, abençoa com a força que forja quando se crê, abençoa a saúde do corpo e injeta amor nos donos do discurso, liberta da cegueira quem tem a bíblia como arma, quem tem a ciência como rédea, dá comoção aos que evitam as dúvidas.
Dá um prato de comida aos homens que ainda tecem amor na contramão dessa guerra suja da qual a cidade é picadeiro.
Cuida das crianças para que saibam ler o mundo com os olhos mais livres e mais poéticos que os nossos tão fatigados pela opressão das revistas, da velocidade cega das tecnologias, pela pressa de produzir história, de construir discurso, abençoa nossa língua para que saibamos tê-la como a um coração pulsante e sadio.
Ergue tua mão, cuida de todos os de alma perdida, de olhos sujos da repetição de chumbo, nasce no sexo, na planta, no corrimão sujo dos metrôs da cidade de São Paulo, nasce nos livros frios e acadêmicos e esquenta a moça que pena na cidade nova, nasce no rapaz que ama as migalhas de uma puta da região da Roosevelt.
Nasce no tesão barroco que o seminarista deixou de mentir ao seu colega de quarto, nasce na mulher que todo dia abre as pernas e desconhece o amor,nasce no pranto das viúvas, na dor do pai que enterrou o filho, nasce nos corações rasgados,nas malas arrumadas,nas mãos enrugadas de mulheres tão lindas como lírios, arrebenta de amor as instituições dos miseráveis que corrompem seu nome e fincam punhais sacros e imundos na boca do povo pobre.
Nasce onde a seca queimou o solo, onde o homem anuncia uma caçutinga em cruz e chora um deus português que nunca peiou uma vaca, rompe o ódio e nasce, rompe o nojo e cresce.
Ouve os sedentos de poesia, e cuida da loucura, nasce em arte nas mãos dos poetas.
Vence a dor das falsas histórias e chove milagre onde o pão é pó.

2 comentários:

  1. Isso me lembrou TANTO nossa última conversa. Fé, ciência e a tentativa de achar que tudo não passa de discurso e que a vida pode ser mais. Lindo, lindo, lindo seu texto, Di. E a felicidade plena de descansar meus textos ao lado dos teus. Nosso discurso é um complemento. Nossa vida e nossa amizade, também. Prazer imenso ter você no FEBRE CRÔNICA, IMENSO !!!!!

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  2. Obrigada,Si.Escrever aqui me deixa mais calma com mundo,seu convite generoso e gentil de eu poder escrever nesse mesmo blog, onde você e Linné escrevem , só faz grata à ideia de tecer as coisas que não sei. Um xero.

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