segunda-feira, 1 de julho de 2013

uNHA - por Vinícius Linné

— Quem tira as suas fotos? 
— Por quê?
— Porque... não sei... dá pra ver que existe uma conexão muito grande entre você e quem te fotografa. É algo que transparece. Como se vocês se conhecessem muito bem. Como se, com essa pessoa, você se sentisse livre o suficiente para revelar a alma inteira.
— Sou eu. Eu tiro as minhas fotos. O que é estranho, porque eu não me conheço. Eu não me entrego pra mim.
— Mas você pode se entregar, mesmo sem se saber. Às vezes a gente faz as coisas sem saber. Eu, por exemplo, descobri que pratico a automutilação. E sempre achei isso coisa de doido. Eu não corto meus braços, nem nada assim, mas eu tenho uma unha encravada que não deixo sarar. Eu gosto de como ela dói. Eu gosto de ver a vermelhidão do sangue que escorre dela, quando eu a machuco. E eu gosto de machucá-la. 
— Isso é estranho.
— Não é. Se todo sentimento é válido, a dor também é. Quando vou mexer nela e ela começa a doer, eu penso “É dor, é só dor. Eu aguento.” E então eu aproveito aquela sensação. Eu fecho os olhos e deixo ela se irradiar. E nunca dói mais que um coração partido, por exemplo. Mas não quero falar disso. Eu estava falando das suas fotos. Eu admiro demais sua criatividade. E com tudo. Escrita, fotografia... desenho. Você desenhava, não?
— Desenhava sim. Mas consegui parar. Foi uma das coisas que já consegui abandonar. Quero ver se abandono as outras também.
— Como assim?! Sua criatividade é um dom!
— É maldição. Imagine que alguém tem uma porção de sementes, mas não tem um campo para plantar...
— Mas, então, você poderia vender as sementes para quem tem um campo.
— E aí você nunca colheria nada.
— Tá, mas o que você quer dizer, afinal?
— Que não adianta. Eu não sei quantas coisas tenho escritas. Eu não sei quantas técnicas de fotografia eu tenho descoberto. Eu não sei quantas ideias eu tenho gerado. Eu não sei quantas músicas eu já gravei... E tudo pra nada. Eu tenho essas sementes todas, e não tenho onde colocá-las. Eu as vejo embolorar e apodrecer, sem nunca ver fruto algum. Sem nunca ver qualquer resultado. Nada de nada.
— E isso é motivo de desistir?
— O que você espera? Que eu diga para mim mesmo que “É dor, é só dor. Eu aguento”?
— Seria uma alternativa. Pessoas morreriam para ter as ideias que você tem.
— Pessoas morreriam se tivessem essas ideias e ninguém investisse nelas. Se elas não tivessem um caminho, contatos, meios de fazê-las acontecer.
— Você ainda é novo.
— Novo, mas cansado.
— É cansaço. É só cansaço. Você aguenta.
— Estou cansado de aguentar, de esperar, de acreditar, de investir, de viver.
— Te ver assim me dói. Dói mais do que a minha unha encravada.

3 comentários:

  1. Olha eu não sei se você fez esse texto relatando sua vida, mas relata exatamente o momento atual da minha vida.

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  2. Cansaço dói e pesa.Belo texto ,Linné.

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  3. Sempre gosto das imagens que teu texto cria...
    Que doa sempre, Linné. Quero te ver desenhando com palavras, sempre.
    Bjs,
    Huck

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